domingo, dezembro 31, 2006

Sem marcha atrás ou de como olhar o tempo de frente

porque é o último dia do ano e não me vale a pena fazer balanços que me levem para o momento antes ou para a terra do nunca, longe e inalcançável como é todo o tempo (um pouco como a pasta dos dentes que não entra nas embalagens de onde saiu)...

porque o tempo gasto em balanços é deprimente e jocoso (no fundo só se vê e se encontra o que se quer)...

porque prefiro projectos em vez de qualquer balancete em que coloque em cheque os créditos e os débitos de um ano já moribundo (nem se pode defender das minhas acusações)...

... deixo só as palavras de uma bela canção:

O tempo que a gente perde pela vida a correr
O tempo que a gente sonha que é chegar e vencer
O tempo faz de nós um copo p’ra beber em paz
O tempo é um momento para nunca mais

O tempo mesmo agora fez a terra girar
O tempo sem demora traz as ondas do mar
O tempo que se inventa quando nunca se é capaz
O tempo é um carro novo sem a marcha-atrás

Voei p’ra te dizer
Sonhei p’ra te esquecer
Eu sei não vais parar para eu crescer
Eu sei esperei demais


Musica: Donna Maria
Letra: Miguel A. Majer

quarta-feira, dezembro 20, 2006

O Livro dos Bons Princípios (16)

1990. A vida decorre sem sobressaltos num Portugal que se acostumou a aplanar tudo, todos os buracos, com o betão e o alcatrão vindos da Europa, essa abençoada união robinwoodesca que partilha com os pobres as sobras dos ricos. Por esta altura, já só saem caravelas e naus das cabeças das pessoas, ainda acostumadas a sonhar com as alturas, mas obrigadas a aceitar que o país não cresceu, que o abecedário é conhecido apenas de alguns e que em outros lugares da mesma Europa, voam concordes, ganham-se prémios nobel e avança-se para o futuro, tentando esquecer que a liberdade é uma arma que se utiliza e desenvolve em tempo de guerra. Enquanto que algumas cabecinhas continuam a sonhar com um Salazar sebastiânico, outras começam a disfrutar das novas estradas e pontes e vias férreas, agradecendo por haver quem dê cavaco à ironicamente pequena distância entre o interior e o litoral, entre o norte e o sul. O que ainda neste tempo não se sabia é que outras pontes não se constroem com cimento e trabalho mal pago.

Despois deste prolegómeno prospectivo, penso que se pode agora começar a história de Amandina. Nascida e sempre vivida em Portugal, numa aldeia próxima do litoral aveirense. Vista como promissora, excepto por ela mesma. Criada para ser católica apostólica romana, preparada para a vida e para o casamento com que nunca sonhou, com o português dos sonhos que nunca encontraria. Habituada a ser a melhor por falta de concorrência. Farta de viver numa casa onde todas as superstições maternas enchiam o ar e os defumadouros constantes eram mais importantes que as discussões sobre lógica e realidade. Onde só as supostas vozes do além traziam verdades, confiança e curas.

Outros princípios à espera de um final em Divas & Contrabaixos e em O Afinador de Sinos.
Todos os bons princípios aqui...

domingo, dezembro 17, 2006

die Weinachten

dedicado à Alex e ao alemão da sua infância

Drei kleine Kinder mussten das Weinachtsfest retten, weil der böse Krampus der harmlosen Weihnachtsmann entführen wollte. Deshalb haben Sie einen Termin mit dem Christkind gemacht: zusammen haben Sie den schwierigen Plan gemacht - den alten und dichen Weihnachtsmann in dem kleinen Christkindbett zu verstecken.

Dann haben Sie dem
Weihnachtsmann die Haare geschnitten und neue Kleidung gekauft: jetzt trägt er einen neuen schwarzen Anzug. Er hat auch keine Brille mehr, trotzdem kann er noch die Briefe der Kinder und die schwere Bibel zu lesen. Obwohl er schon alt is, liebt er es, viele Bücher zu lesen. Aber nicht an diesem Weinachtsfest: er muss im Christkindbett bleiben, dashalb müssen das Christkind und die drei anderen Kinder die SuBigkeiten und die Spiele schenken.

Ein anderes Problem? Der
Weihnachtsmann hat Angst vor Tieren: er muss brav sein, sonst bekommt er keine Geshenke. Was für einen gefährlichen Beruf hat er??!!!!

(OK, isto foi o TPC de alemão da semana passada!!)

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O Livro dos Bons Princípios (14)

tinha acabado de chegar à cidade. não sabia a que cidade, assim como já não sabia quem era. também não fazia falta saber nada disto porque não conhecia a língua, não conhecia ninguém, logo não teria que dar qualquer tipo de resposta acerca destes dois detalhes de si. hospedara-se num hotel barato, onde abundam baratas e outros seres vivos, às vezes pouco mais que inanimados e às vezes pouco mais que parecidos com pessoas. todos os dias saía pela cidade à procura de um apartamento para alugar - sempre sairia mais barato - procurando exclusivamente tipologias T1 de prédios antigos. procurava neles também o que sabia que neles haveria de si mesmo: uma mulher sozinha. uma mulher casada não escolheria um T1. mulheres com filhos talvez andassem à procura de T3 ou T4. procurava alguém tão solitário como ele próprio. se procurasse alguém para partilhar um apartamento colocaria o seguinte anúncio:

"homem só procura outra solidão para partilhar estuque de paredes e estilhaços de dias. gosta de velharias, não de antiguidades. preferência a mulheres ou a o que delas restar."

e é verdade que colocou, logo depois de alugar uma coisa mísera. e é verdade que ela apareceu, antecedida e sucedida de muitas outras mulheres. não queriam saber do apartamento. queriam saber de si. mas ela foi a única que apareceu a perguntar "posso ver a casa?"...


Outros pontos de venda ao público:
Divas & Contrabaixos
O afinador de sinos

segunda-feira, dezembro 11, 2006

um post mundano... mesmo

pois... não vou apregoar a saga da canção francesa, da Edith ou do Brel... nem falar da filarmonia ou da filosofia do fado. nem do flamengo da minha vida, qual Jose Mercé, qual Paco de Lucia.

já me perguntaram como é que posso gostar deles... e, se calhar, não gosto deles, gosto d'HIM... sei lá porquê... o vídeo ajudou-me a encontrar algumas justificações... as letras não são particularmente inteligentes... e daí? funcionam como óptimas bandas sonoras do que não digo... lá no fundo, e não é surpresa para ninguém, gosto de descansar os olhos de vez em quando... e a música aos berros e apagar a luz e ser noite e abrir outra cerveja... e isso é mundano... e o gosto pode ser duvidoso... mas é sincero e prefiro apregoar uma sinceridade do que a maior bacorada para parecer intelectual... e isso é de muito mau gosto... mas ensinaram-me a não mentir... voilà! a normalidade é uma coisa estranha...

"There are things you should know
And the distance between us seems to grow
But you're holding on strong
And oh how hard it iss to let go
I'm so hard to let go

I'm waiting for your call
and I'm ready to take your six six six in my heart
I'm longing for your touch
and I welcome your sweet six six six in my heart" (Your sweet 666)

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O Livro dos Bons Princípios (11)

Era daquelas pessoas que não sabiam contar histórias. Não havia nada a fazer! Desde miúdo que transformava todas as histórias que lhe contavam antes de dormir noutras histórias. E acrescentava sempre aquele ponto de quem conta um conto... Enchia todas as histórias de nuances que os autores nunca se lembrariam. Por exemplo, de monstros muito mais feios do que eram naquelas realidades fictícias. E as princesas nunca eram tão bonitas como se dizia e usavam roupa interior com elásticos relaxados, daqueles que fazem som de esbijamento apodrecido. Os princípes deviam ser afinal, uns mariquinhas do pior que só eram capazes de beijar e montar miúdas a dormir, qual galantes, qual carapuça...

Enquanto crescia, mantinha a convicção de que aquelas patranhas eram para pataratas e outros crentes. Quando adolescente, chegou mesmo a pensar que nunca se interessaria por aquelas desenxabidas, armadas em princesas, que ficavam deitadas sem se mexer. Frígidas. A vida foi apenas sedimentando estas convicções, transformando-as em modo de vida, à revelia de pequenos incidentes que lhe mostravam que "a cavalo dado, não se olha o dente", sobretudo quando se fala de éguas e de embriaguez e da infeliz conjugação das duas no mesmo quarto...

Era, como começámos, um inventor de histórias compulsivo. Se fosse historiador, seria inventor da História e não um desses arqueólogos de acontecimentos. E era inventor das suas próprias histórias e das que se inventava até passarem a ser verdade. Quando lhe perguntavam a profissão, ia alternando entre adjunto de chefe de estado (coisa fácil, já que, como ninguém sabe o que fazem, é fácil passar por um) e cozinheiro no "Tás-se Bem", restaurante para gente de bem (bem-vestir, bem-pagar, bem-viver). Às vezes descaía-se e lá confessava que era mentiroso.

E foi por isso que, naquela noite, a mesma em que o reencontrei, naquele lugar em que me contratou para transacção de carnes, me respondeu com um "não quero nada", quando lhe perguntei o que queria da vida. Eu era só uma pequena, num bordel tão escuro quanto vermelho, que lhe tentava vender o corpo por bom preço. Contou-me uns meses mais tarde, quando já eramos clientes assíduos um do outro, que nunca tinha gostado de putas que se vinham com perguntas existenciais. Preferia mentir. Eu acreditei, mas sabia que me estava a mentir...

Conhecia-o desde a niñez, quando ele me contava as suas versões da Bela Adormecida e da Branca de Neve, aquela meretriz dos contos para crianças, que inspirou muitas das minhas histórias do "Hidde and ride"...

Mais e melhores em...
Divas & Contrabaixos
O Afinador de Sinos

Toda a colecção em fascículos separados, encadernados e embonitados em O Livro dos Bons Princípios

sábado, dezembro 02, 2006

relatório de investigação

a claridade pica na retina
e nas pálpebras trancadas
incompatível com água salgada

sinestesia alérgica

assim
já não me espanta que haja luz em ondas
que passam sem me molhar

quarta-feira, novembro 22, 2006

O Livro dos Bons Princípios (6)

Acordou e olhou-se ao espelho, como todas as manhãs. Ficou intrigado com a ausência de diferenças em relação ao que fora: nem uma ruga, nem uma borbulha, nem um cabelo branco… O tempo não tinha passado pelo seu corpo. Olhou ainda as mãos, finas e ágeis, decerto já não tão robustas, mas ainda fortes e viris. Levantou o pijama que lhe cobria o peito e verificou que os abdominais lhe mostravam juventude e os peitorais respiravam vigorosamente. Respirou aliviado, feliz talvez por continuar a respirar. De novo, voltou a vestir-se, e, como todas as manhãs, correu para a casa de banho para ser homem e, como todas as manhãs, libertou-se da humanidade suada e imunda que o seu corpo acumulara em tantas partes de si, desde o intestino até ao sovaco… Ao sair de casa, a caminho do seu escritório na avenida mais in, voltou ao quarto e reparou na mulher que se tinha deitado com ele na noite anterior e em todas as noites desde há 18 anos: não tinha dado por ela. Não sentiu falta da sua juventude, não a olhou duas vezes...

Outros princípios
O afinador de sinos (1) e (4)
Divas e Contrabaixos (2) e (5)
Inominável (3)

domingo, novembro 19, 2006

pedido

quero que me dês o mundo

se não o puderes embrulhar
atira-me uma imitação brilhante
que também traga dias de sol
e estrelas do norte
e crianças a brincar à nossa porta

(deixa a porta aberta)

sexta-feira, novembro 17, 2006

anti-post

abri o blogger com a ideia de escrever algo "a sério", mas sem que eu quisesse, este post transformou-se, qual "metamorfose ambulante", num anti-post... um espaço de nada, feito de paráfrases de vazio... um pretérito perfeito em forma de ausência... um espaço feito de palavras desbaratadas... um espaço que se perde na incapacidade de servir para alguma coisa...

este é então um anti-post num anti-espaço...

isto tudo para anunciar que este post não serve para nada. Pim (lá dizia o outro). não serve para comentar, não serve para masturbar neurónios, não serve para imprimir e mostrar à família, não serve como material de escárnio. Pim.

terça-feira, novembro 14, 2006

O livro dos bons princípios (3)

O que prometeste naquela noite é que regressarias mais tarde, "daqui a pouco", com uma surpresa boa. Não disseste que me trarias uma caixinha encarnada, embrulhada em cetiz preto, com um anel de preço comprometedor a fitar-me e a brilhar mais do que eu. Não me disseste que esperavas que a abrisse com entusiasmo ou que respondesse à tua pergunta (aquela que nunca quis ouvir!!! e que vai bem com a nossa música preferida) com o mesmo encanto eufórico com que a pronunciaste. Não me disseste nunca que esperavas mudar a minha forma de encarar a vida e a morte do amor, nem nunca esperaste fazê-lo entre lençóis, porque aí apenas inventamos que estamos vivos… Fiquei tão indignada contigo! Ou foi raiva? Ou decepção?

Balbuciaste umas palavras de incompreensão que nenhum de nós quis ouvir, que fingi não ouvir, voltaste as costas e eu soube que estavas a tapar o choro ou o grito com a palma da mão. Sei que te esmaguei, mas os teus sentimentos eram demasiado tenros, como fruta que pisamos no chão, mesmo sem querer ou quando queremos mordê-la mas se desfaz nas nossas mãos.

Agora sei que vais casar. Por isso decidiste encontrar-te mais uma vez comigo... Para me dizeres isso. Talvez humilhar-me. Não me conheces. Mas porque é que esta conversa tinha que acabar sem roupa, como as outras antes desta? Casa-te. Quem fica com as tuas alianças sou eu.

Outros princípios:
O afinador de sinos (1)
Divas & Contrabaixos (2)

segunda-feira, novembro 13, 2006

O livro dos bons princípios

... começou a maior estafeta de todos os tempos... à segunda-feira o Afinador de sinos passa a Divas & Contrabaixos que, às terças-feiras, passa a Ponto de Saturação, que tenta não perder o fôlego até quarta ... e correm, correm, correm, cada semana para sugerir três princípios radicalmente novos e originais (é verdade que aqui estou a ser... hiperbólica) para um romance, um conto, uma novela... correm, correm, correm para trazer novos mundos ao mundo...

o que dizem os leitores sobre isto:

"que raio de projecto é este?" (anónimo 1)
"dá-lhes para cada coisa..." (anónimo 2)
"não compreendi? andam a inventar ou a plagiar?" (anónimo 3)
"a liberdade vai passando por aqui..." (não deixou nem o anonimato)
"o melhor projecto da Blogosfera a seguir a vários outros que não menciono" (Inominável)

sábado, novembro 11, 2006

o meu Valentine

só o meu Valentine
fede de vinho a martelo
e me dá rosas roubadas
do jardim de um shopping
todas as noites me oferece
um dos anéis de Saturno
e inventamos o amor em torres de areia
de prédios em construção
o seu perfume é glandular
de água com sabão azul
e a sua boca tem o sabor doce
de cigarro com pastilha elástica
saimos a passear
nos autocarros vazios da cidade
à conversa sobre futebol e Zara
enquanto inventa sobre raparigas que não teve
e me conta lugares que não existem

jura que os meus olhos são lindos
de cada vez que me deita sobre a areia
desmanchamos as torres
e os meus cabelos se enredam na areia fina e crivada

sabe chorar
e eu sei amá-lo por isso

quinta-feira, novembro 09, 2006

Cobardia (curta-metragem 8)

Era uma vez uma rapariga cobarde que só conseguia amar se soubesse que tudo teria que acabar! Entregava-se aos amores mais destruidores, aos amores desgastantes, aos amores longínquos, porque encontrava assim desculpas para terminar com todos esses enganos e alegar os erros que qualquer humano deve cometer para avançar… Claro que esses supostos amores também serviam para sofrer e dignificar a sua função de amante.

E é verdade que sofria! Apaixonava-se e distanciava-se sempre com dor: a dor da despedida, breve ou para sempre, a dor da ausência, a dor dos sentimentos incertos que sufocam e parecem matar… a dor de saber que nunca mais. Quem a conheceu (eu conheci-a!) sabe que não amava de propósito, não sofria de propósito, assim como não se vive ou se respira de propósito: tudo acontecia simplesmente e ao acaso, sem vontade de ninguém! Às vezes dava consigo a pensar que não queria nada amar ou enrolar-se e enganar-se com este ou aquele, esta ou aquela, mas acabava por acontecer! Mesmo contra a vontade mais ferrenha.

Disse-me, numa tarde de inverno deitada sobre uma areia molhada, que não lhe apetecia nada gostar de mim porque teríamos que terminar, que eu também sabia disso e que, por isso, só estavamos a perder tempo.

"E que o tempo, mesmo tendo sido feito para se perder, deve ser perdido com algum pudor, com algum respeito, com comedimento".

Claro que perder tempo comigo era uma perda tão grande como com outro qualquer… A verdade é que não me queria amar. Eu compreendi. Deixei-a deitada na areia e caminhei para longe. Para outro país.

Era uma vez uma rapariga cobarde que tinha medo de amar e que amava sempre demais, enorme erro. Queria amizades e, ironicamente, perdia todos os amigos porque se impunha sempre o desejo maior de querer ir além do que lhe tinha sido destinado no elenco da amizade. Todas as encenações de amigos falhavam… Quis ser minha amiga. Eu quis ser seu amante. Foi esta inversão de papéis que nos separou: eu amei antes dela…

Era uma vez uma rapariga qualquer que…

quarta-feira, novembro 08, 2006

...(podem ser muitos)...

monta-me
e dá-me esporas

prefiro dor
à liberdade

terça-feira, outubro 31, 2006

O acaso mora ao lado

O Feliciano tem um cão. Uma mulher. Um filho. Uma amante. Um quintal.

Um dia, o filho morre. No dia seguinte, morre a mulher. A seguir a amante. No quintal tudo murcha e se descolora. O cão uiva pela última vez quando Feliciano se desfelicita e falece.

O resto são coincidências e não interessam.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Bad mood

Advertising Space

(...) Waiting for God to stop this
And up to your neck in darkness
Everyone around you was corrupted
Saying somethin'

(...) They poisoned you with compromise
At what point did you realise
Everybody loves your lies
But you ahahh

(...) And
No one learned from your mistake

(Robbie Williams, Album: Intensive care)

quarta-feira, outubro 25, 2006

papel de parede (curta-metragem 7)

Dormíamos lado a lado, sem fechar os olhos, atentos aos movimentos de tristeza que se tinha colado aos rostos como caramelo, amargo e negro. Nos rostos não havia já restos de nada. Nem das rosas de outrora, nem das palavras mais recentes. Tudo se tinha esvaído sem sentidos, por entre a escuridão que manchava a brancura do quarto.

- O que estás a fazer? – perguntou-me a rasgar os pensamentos.

- Tento redescobrir a sensibilidade desta parede, afeiçoar-me a ela – arrimei-lhe de olhos ainda fechados, enquanto a ponta dos meus dedos continuava a tentar compreender o braille daquele papel.

- Uma parede?

Neste momento, não havia volta. Ou explicava porque preferia o tacto da parede a um corpo horizontalizado ou caíamos no silêncio de quem já se disse tudo. E narrar é humano.

- É esta parede que me lembra que esta(rá)s para além dela. Esta parede é a marca da tua ausência. E é uma presença tão visual como tu não estares. E tão áspera como o silêncio em que eu fico... degredada neste espaço que, sem ti, se tornou mais pequeno. Claustrofóbico.

O silêncio voltou e tudo tinha acabado.

sexta-feira, outubro 20, 2006

alcatrão

fiquei presa ao chão que pisas
alcatrão quente nas estradas
que arrastas aos poucos quando passas

segunda-feira, outubro 16, 2006

Pretérito Imperfeito (curta-metragem 6)

(é favor de reler a curta-metragem 5)

Não pensei que pudesses esquecer-me de imediato. Irradicar-me sem avisar da tua vida. Acho que, apesar desta dor incómoda e pesada, estás a ser sensato: sabes que há mais alguém na minha vida, sabes que volta e meia estou ausente e que matar saudades é sinal de fraqueza… Deixaste-me tão fraca! Porque me deixaste?

Podias ao menos continuar a dar-me pequenos sinais de vida, a ser simpático mesmo sendo impessoal, a ser uma companhia para o sexcafé semanal. Fui o teu troféu? A taça das taças, a UEFA, o campeonato nacional? Já percebi que não vale a pena continuar a tentar comunicar contigo e que o teu silêncio é uma opção definitiva, como amputar um membro doente. Não respondes a nenhuma das minhas perguntas (mesmo as tuas mensagens lacónicas e imprecisas eram valiosas!) e abandonas-me à incerteza de nunca saber quando te vou encontrar. À certeza de nunca mais te encontrar.


Mas tu estás dentro da minha cabeça! Tu estiveste dentro do meu corpo! Eu só quero que saias
da minha cabeça! Só quero que reentres em mim…

Estarei a entrar na demência da idade? Perdoa-me o ser tão mais velha do que tu… Perdoa-me o ser magra. O ser assim tão pouco diante da imensidão que és tu diante de mim…


Pensarás que sou uma idiota louca que se perdeu por um rapazinho? Achas que foste uma aventura extra-escolar? Desejei-te desde aquele bar em que a música e o álcool me fizeram aproximar de ti. Desejei-te mais quando me convidaste para aquele café que terminou no teu carro. Eu precisava de emoções e de sentir que estava viva e tu deste-me tudo isso. Devo agradecer-te ou amaldiçoar-te porque me deixaste à deriva, agarrada a esta jangada podre? A esta jangada de lembranças velhas que me deixam flutuar sem me levar para terra, sem me deixar morrer, sem me matar…


sexta-feira, outubro 13, 2006

preocupações

"Why of course the people don't want war ... But after all it is the leaders of the country who determine the policy, and it is always a simple matter to drag the people along, whether it is a democracy, or a fascist dictatorship, or a parliament, or a communist dictatorship ... Voice or no voice, the people can always be brought to the bidding of the leaders. That is easy. All you have to do is to tell them they are being attacked, and denounce the pacifists for lack of patriotism and exposing the country to danger." — Hermann Goering, Nazi leader, at the Nuremberg Trials after World War II

Omissão

"y aunque me hagas feliz, no te lo digo" (Chavela Vargas)

terça-feira, outubro 10, 2006

paisagem aquática

sentei-me
espesso corpo de lodo
verde
à tua espera
num banco de areia
no fundo do mar

sábado, outubro 07, 2006

As teses que ninguém (ainda) escreveu

Em maré de tese e até de alguma caridade, decidi, de livre e espontânea vontade, sem qualquer interesse financeiro, deixar algumas sugestões de tese, em diferentes domínios científicos, aplicados a Portugal:

- em Sociologia - "Análise comparativa do número de idiotas chapados por metro quadrado, em diversas regiões: as variáveis interior/litoral";
- em Economia - "Influência dos anos bissextos no crescimento do PIB anual comunitário: Portugal em destaque";
- em Política - "Estudo da percentagem de cretinos que acedem a lugares de (algum) prestígio e acabam por desempenhar satisfatoriamente as suas funções: o caso da cunha em política";
- em Linguística - "Impacte de Floribela e Morangos com Açúcar no desenvolvimento linguístico da população: o caso de "és tão dã-ã" e "tás-ta passar ou quê?"
- em Musicologia - "Revivalismo sebastiânico ou o neo-saudosismo na moderna música portuguesa: o fenómenos José Cid".

Alguns destes títulos podem exceder o número de caracteres, outros são quase esotéricos, todos são obviamente tendenciosos e alguns apontam resultados. Alguns quase que me parecem possíveis de realizar, dado o excesso de matéria que poderia servir como objecto de estudo.

Qualquer pedido de sugestão para futuros estudos pode ser dirigido para "Inominável, Ponto de Saturação, Blogger."

sexta-feira, outubro 06, 2006

Pretérito Perfeito (curta-metragem 5)

Podia ter dito que apenas te queria foder… Não ter uma dessas relações em que se brinca aos namorados até que alguém sofra. Para brincar já tens um! Pensei que me conhecesses o suficiente para adivinhares que há assuntos e interesses e motivações mais preementes na minha vida: a pesca, os amigos, outras mulheres, mais mulheres… No fundo, nunca quis que quisesses mais de mim, mais do que eu quis de ti, mais do que ambos quisemos um do outro, mais do que foi. FOI. Pretérito perfeito. Acabado. Que já não se prolonga no presente.

Para quê continuares a insistir e a tentar perceber o que aconteceu? Não te leva a nada! É inconveniente! Tu foste só aquele corpo que abracei e beijei e mordi, aquele corpo em que entrei, aquele corpo que me fez deitar e acordar satisfeito, talvez feliz, aquele corpo que gozei e abandonei. Porquês? Estavamos juntos, eu não tinha companhia, tu mostraste disponibilidade, ambos tínhamos bebido Bacardis e Smirnoffs muito para além da sobriedade e sabíamos, com essa inconsciência, que tudo teria que acontecer… Vês? É tão fácil perceber tudo… Em que parte desta história é que te perdeste? Naquela em que os sentimentos ficam de parte? Naquela em que perdeste a inocência da maturidade?

Não te sintas traída porque foste tu quem traiu primeiro. Não te sintas abandonada ou rejeitada porque não é assim que devemos terminar este jogo: ninguém deve perder, não sintas que perdeste. Se calhar, voltaremos a tomar um cafezito (o nosso sexcafé), com menos açúcar, e até podes falar do que estás a sentir, mas não me venhas com lamechices de quem crê que foi usada e enganada. Sempre soubeste tudo. Que culpa tenho se os corpos não resistiram à passagem de um pelo outro? Nunca te tinha acontecido? (Não mintas!)

Se não te telefono, nem envio toques ou SMS é porque não quero que te iludas com uma relação qualquer. Não quero ficar na tua memória como alguém que prolongou as expectativas e te deixou pendurada, sempre à beira do sufoco. Acredita que só quero ser uma lembrança boa na tua vida: "aquele rapazito com quem tive uma pequena aventura boa"… Tu serás sempre a "ex-professora dos meus colegas" que conheci num bar e dançou para mim…

E desculpe se a trato por "tu"…

sexta-feira, setembro 15, 2006

vegetal

sem regar as plantas secas dos meus pés
ao sol
curvado o caule
e estendida sob o céu da tua boca
espero que os meus cabelos se transformem
nas palmas
das tuas mãos.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Pode um e-mail póstumo...

quero lá saber...

... mas tinha que te dizer o quanto gosto de ti, não importa se viva ou morta... quero dizer que tenho pena de nunca mais te ver, nem ouvir as tuas gargalhadas de optimismo e de não lutarmos acerca do Nikolas Sparks... e da tua quiche... e da tua prontidão, sempre disponível para ajudar... como é que o teu coração, tão grande ... não vamos falar desse traidor, pois não?

E nestas alturas, sinto-me muito egoísta porque penso que te foste embora... mas não é verdade: eu é que fiquei aqui, não é? A atrasar a partida, também... inutilmente. "por outras palavras"... fiquei sem ti... temporariamente sem ti... e sento-me incrédula diante destes e-mails que me chegam a dizer que morreste... e decido escrever-te para atrasar a despedida...

segunda-feira, setembro 11, 2006

a vinha vida comigo lá dentro ou a memória a pregar partidas (Variações sobre o meu tema preferido)

Nao consigo dominar / Este estado de ansiedade
A pressa de chegar / P'ra nao chegar tarde

Nao sei de que é que eu fujo / Sera desta solidao
Mas porque é que eu recuso / Quem quer dar-me a mao

Vou continuar a procurar / A quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só:
Quero quem quem eu nunca vi / Porque eu só quero quem
Quem nao conheci /
Porque eu só quero quem / Quem eu nunca vi

Esta insatisfacao / Nao consigo compreender
Sempre esta sensação / Que estou a perder

Tenho pressa de sair / Quero sentir ao chegar
Vontade de partir / P'ra outro lugar

Vou continuar a procurar /A minha forma
O meu lugar / Porque até aqui eu só:
Estou bem aonde eu nao estou
Porque eu só quero ir / Aonde eu nao vou
Porque eu só estou bem / Aonde eu nao estou

(António Variações, para os mais esquecidos)

sábado, setembro 09, 2006

"love is a cliché"

adivinhem de onde veio esta frase clarividente?

em tempos escrevi algo parecido, mas levei mais palavras para dizer o mesmo:

"Há uma visão romanceada na forma de ele se encontrar com a vida: deve ter-se esquecido que nem o amor nos poderá salvar! Nós escondemo-nos atrás de quem amamos e o amor não impede que se fodam outros, que se envelheça, que se morra!

Devia dizer-lhe que o amor é uma rocha que se ergue no caminho para nos fazer vacilar, duvidar de nós e da nossa mortalidade! "Ficaremos juntos para sempre", disse-me numa das poucas noites em que não nos encontrámos para abandonar os corpos ao desmazelo. Tentei não ouvir: mesmo quando o tempo é longo, dizer "para sempre" é sempre pouco tempo ou tempo demais. É uma pressão constante ouvir isso quando só se procura prazer e quando se sabe que não viveremos para cumprir o prognóstico…"

sábado, setembro 02, 2006

Aprendizagens inesperadas

aprendi com o Jorge Palma que "sou praticamente demente"...

não confirmo nem desminto.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Palavras à solta

"Dirão: talvez o mundo não esteja propício a um soltar de palavras ao vento, assim, sem mais nem menos. Tanto disparate e facilitismo dito às três pancadas, martelado, obriga a proteger as palavras de melhor colheita. Mas, na verdade, é talvez quando o mundo, a poesia, a vida, a liberdade e os homens andam anémicos e moribundos que mais se reclamam palavras destravadas para desbravar caminhos, erguer novos sonhos, colorir os amanhãs." (Miguel Carvalho, "Palavras à Solta", Visão de 24 de Julho de 2006)

Procuro palavras sem travões!

(E porque gosto das crónicas do autor: http://visaoonline.clix.pt/default.asp?SqlPage=AuthorContent&CpAuthorId=19584)

segunda-feira, agosto 21, 2006

Capacidade amputada (curta-metragem 4)

Não sou capaz de te amar. Não sou capaz de voltar a ver os teus vinte anos nem de imaginar o teu corpo antes do tempo que passou por ele. Pesadamente… Vejo agora um homem que não amo. Não respeito. Tudo continua a arder à nossa volta e nós secámos até nos transformarmos num riacho murcho. Seco. Árido e deserto onde nada vai crescer… nem nascer…

O que devo fazer ao desejo póstumo que sinto de outros corpos, de outros espaços, de outras emoções? Que farei com esta vontade de voar? Para onde me lançarei com estas novas asas renascidas, amputadas quando acreditei que te amava, que te amaria? Foi esse amor que me amarrou a ti e a esta casa e a este lugar que me deixou tão amarga e destemperada, tão desesperada pelos anos perdidos, tão angustiada pelos corpos que já não amarei porque a idade também passou por mim…

Está tudo perdido. Secámos até à infertilidade. Ou foi a minha infertilidade que nos secou? Sem filhos e sem amor, que faremos com esta vida que ninguém quer?

Estou perplexa diante deste pedaço de papel onde te anuncio que vou embora e desta vez para sempre. Não voltarei só porque estarás à minha espera. Desta vez, não! Sei que já não tenho idade para emoções juvenis e que talvez não encontre outro homem, alguém que me renove a alma, mas prefiro definhar sozinha a ter que acompanhar o nosso fim. Com raiva. Com pena de ti porque ainda me amas à tua maneira. Com medo de voltar a estar só.

Desta vez, escrevo-te um guardanapo definitivo.

sábado, agosto 19, 2006

Inocência

Todos os vestidos rasgados
o verniz roído a vermelho
as meias raspadas na espera
e a boca-rocha roxa
num corpo de areia que fendeu.

Quem te fez tropeçar dos meus olhos
e seguir em linha recta até ao chão?

terça-feira, agosto 15, 2006

Aveiro - Berlin

... foi bom! paisagens e natureza... paisagens e eu, de quem não pude escapar. paisagens e sempre a mesma sensação de não poder sair daqui de dentro... e eu a ver as coisas e a perdê-las e a abandoná-las à inevitável realidade de se transformarem em mim, filtradas e infiltradas pela sucção violenta e húmida do olhar... o meu olhar míope... a viseira do capacete forrada de sangue... a metáfora do mundo num contingente de mosquitos esmagados...

sexta-feira, julho 28, 2006

Anúncio: a nossa relação acabou...

... depois de cinco anos e tal, de crenças e de alegrias, de lágrimas e de frustrações, de momentos hilariantes juntos, de cabeçadas e de sentimento de não estar à altura das suas expectativas...

Parece impossível!
Parece improvável!
Parece tremendo!

A nossa relação acabou! Sei que ainda passaremos alguns momentos juntos, será o meu bébé para sempre...

IUUUUUUUPIIIIIIIIIIII! Acabámos!

A questão existencial que se coloca agora, com alguma tremura nos lábios e nos olhos, é:

- Haverá vida depois da tese?

sexta-feira, julho 21, 2006

A Idinha é boa companheira...

... e passa boa imagem desta personagem e do "cariño" (também conhecido por Bárbaro!) para a blogosfera... o esacândalo de foto que ela publicou de um casal simpático em dia de festa, na presença de terceiros....

é o descalabro! depois disto, posso esquecer a minha carreira, tão promissora, na política...

quinta-feira, julho 20, 2006

Problemas de comunicação

Ontem foi dia de tosquia! E eis que descubro que nem sempre me explico da melhor maneira: a um "não quero um corte muito radical", a cabeleireira responde com uma poda de dois terços da minha farta cabeleira (excepto na parte de trás, onde começa a rarear!).

O problema, segundo já me afiançaram, foi de natureza simbólica, dando origem a um mal-entendido intercultural. Na minha modesta opinião, penso que deveria ter explicado melhor a minha concepção de "radical" e ter indicado a que tamanho correspondem 6 centrímetros...

Eu acho que a senhora já deve ter tido muitas decepções noutras áreas: afinal, o tamanho CONTA.

quarta-feira, julho 19, 2006

Procura-se um Freud :P

Não sei porquê, nem em honra de que acontecimento sub- ou inconsciente, nem sequer em sequência de que facto paranormal, anormal e imoral, mas hoje - sim, hoje -, qual Luther King, eu também tive um sonho! Bom, neste caso, um sonho daqueles que se tem a dormir... Sem mais prolegómenos, sonhei que tinha morrido... e que morrer era fixe! Bom, na verdade, era libertador...

A primeira explicação, menos freudiana e mais académica, é que estou presa à correcção da tese!

Mas o giro do sonho é que morrer começava num balanço aquático... sim, aquático! Para podermos ser aceites na secção "mortos legítimos" era necessário passar na prova da água: a vida tinha valido a pena se se tivesse conseguido chorar muito e fazer chorar outras pessoas. A única chatice da prova (sim, eles não são nada parvos no além!!!!) é que só contavam as lágrimas boas... Bom, aí começou a minha morte a correr mal...

A segunda explicação tem mesmo que ser freudiana: devido a algum tipo de histeria, ando a ter sonhos parvos!

Continua o sonho: tive que "desmorrer" e descer pelo céu abaixo, para arrancar lágrimas por aí... até ser admitida no clube exclusivo dos mortos legítimos.

Foi uma noite bem dormida... sem mosquitos a sugarem o meu sangue tenrinho e envenenado, mas com partidas morais do sub-consciente!

sexta-feira, julho 14, 2006

Grafologia

Depois do teste grafológico, aqui está o que disseram sobre mim:

"A inclinação de sua letra mostra que você é uma pessoa que demonstra um certo grau de instabilidade emocional no convívio social e parece ser bastante indecisa. A ligação de sua letra revela raciocínio lógico, dinamismo, método e uma tendência à rotinas. A direção de sua letra indica controle, constância e organização, especialmente nas tarefas cotidianas. A pressão que usa ao escrever sinaliza estabilidade e equilíbrio. As áreas valorizadas na sua escrita destacam imediatismo, preocupação com questões materiais e pouca motivação de crescimento interior. A forma de sua letra demonstra firmeza, decisão, perseverança e agressividade."

Identifico-me aqui, acolá penso que estão a falar de outra pessoa, ali parece surreal... Mas dava para acrescentar bué de características a este perfil tão miudinho :)

quinta-feira, julho 13, 2006

Abnegado (curta-metragem 3)

Não me importo que me voltes a deixar se isso significa que vais voltar. Não, não me importo. Dás-me sempre mais do que levas em cada fuga… Trazes sempre mais depois de cada traição. Em que braços recolhes as prendas que me dás? A que braços desprevenidos roubas as ilusões?
Não me importo que a cada regresso redigas que não me amas, que já não me amas, que nunca me amaste… Sei que é a tua forma sádica de me veres chorar. E é das minhas lágrimas que gostas antes de me desembrulhares o corpo, antes de o embrulhares no teu… É o meu sofrer-te que te regressa.
Não me importo que o ciúme me queime porque assim sei que se ardo é por ti, chama da minha consumição, escuridão sem archote, labareda sempre acesa dos meus demónios, tu, tu, tu, tu, gota de água só prometida, nunca alcançada. Água do meu consolo. Água em que me afogo, eu ainda em chamas… Chama-me! Falsa salvação.
Não me importo que digas que não tenho nada. Tenho-te nesse nada que é o meu mais-que-tudo e que tu não vês. Tenho-te no desassossego das noites sem ti… nas palavras que não dizes e que me invento. Tenho-te no vento. Tenho-te em todas as janelas dos amantes sem pudor. Em todas as praias com voyeurs. Em todos os sonhos em que te chamo e tu vens obediente e submissa e tão fora de ti que me pareces.
Vou-te ter sempre, mesmo quando acreditares que já não vais regressar e que estaremos até ao fim separados: separados na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos reúna…
Vês??? Não me importo que me enganes, que me desprezes, que me mintas, que não me sintas, que me deixes vezes sem fim porque eu sou o teu fim, ponto final, o teu secreto destino. Esse é o meu orgulho: ter-te quando já não puderes ser de mais ninguém…

sexta-feira, julho 07, 2006

Berlin - Aveiro

Dizer que o regresso é bom? Pouco...

Então, de regresso à mãe-pátria, deixo aqui a lista de coisas que descobri que me fazem "craquer" em Portugal:

- bolos de bacalhau
- peixe fresco (sobretudo do mercado da Costa Nova)
- música pimba do Verão
- compreeender as conversas banais das pessoas desconhecidas na rua e nos cafés
- praia e os olhos molhados diante do mar gigante
- piropos
- café a 50 cêntimos

Quem me ajuda a aumentar esta lista????

quinta-feira, junho 29, 2006

e é assim que se criam relações interpessoais on-line

Inominável sagt:
bom

Inominável sagt:
vou voltar à correcção da tese

SAT sagt:
força

Inominável sagt:
só vou na página 260 e anda faltam mais de 300

SAT sagt:
pois... é o que dá escrever muito

Inominável sagt:
pois

Inominável sagt:
mas só agora é que reparei

Inominável sagt:
quando estava a escrever sempre tinha vontade demais

Inominável sagt:
taradona da escrita, é o que é!

SAT sagt:
é um vício... eu sei

Inominável sagt:
o que fazer?

Inominável sagt:
eu sei que terapia nestes dias já é uma coisa normal, mas tenho vergonha

Inominável sagt:
e se descobrem?

SAT sagt:
eu posso falar com um gajo que arranja umas lentes de contacto que dão a impressão que a pessoa vê mas tiram a visão ao utilzador... assim já não pode Escrever e ninguém desconfia

Inominável sagt:
obrigada

Inominável sagt:
sempre o mesmo amigo

SAT sagt:
sim, um verdadeiro anjo, um amor de bicho e um companheiro inseparável

SAT sagt:
ou seja um cão

Non, Je Ne Regrette Rien

Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien
Ni Le Bien Qu'on M'a Fait, Ni Le Mal
Tout Ça M'est Bien Egal
Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien
C'est Payé, Balayé, Oublié, Je Me Fous Du Passé

Avec Mes Souvenirs J'ai Allumé Le Feu
Mes Chagrins, Mes Plaisirs,
Je N'ai Plus Besoin D'eux
Balayé Les Amours Avec Leurs Tremolos
Balayé Pour Toujours
Je Reparts a Zéro

Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien
Ni Le Bien Qu'on M'a Fait, Ni Le Mal
Tout Ça M'est Bien Egal
Non, Rien De Rien, Non, Je Ne Regrette Rien
Car Ma Vie, Car Mes Joies
Aujourd'hui Ça Commence Avec Toi

(cantado por Édit Piaff)

terça-feira, junho 27, 2006

Modernidade

Ser ou não ser
já não é a questão.

Multiplicaram-se as possibilidades
dos príncipes da modernidade:
quase ser
também ser
porém ser
ser e não ser.

(Inominável)

Foi assim (curta-metragem 2)

não havia nele nada de especial. ela também não era especial. duas almas vazias frente ao precipício. felizes.

um encontro de dois pares de olhos vendados, felizes de se encontrarem sem se verem... a visão seria inútil. ninguém se vê. ninguém nunca se vê.

havia muitos copos de vinho tinto vazios sobre a mesa. nada neles era especial, excepto o anonimato e a liberdade do anonimato numa cidade grande, tão grande, tão grande. nada excepto o gosto do anonimato. e a fealdade.

mas eram almas felizes embriagadas, pintadas a tinto na esplanada do bar, que tinha aquele nome elegível e comidas com nomes ilegíveis e bebidas de nomes ilegíveis. nada de especial, naquela cidade grande, tão grande como a extansão das palavras naquela língua.

dois pares de pernas e de braços e de abraços desconhecidos numa cidade grande. o desejo da pequenez do quarto. o desejo da pequenez do sexo. o desejo de um vazio com significado. o desejo de um grande vazio, rodeado de nada a toda a volta, ilha-vácuo de uma cidade grande desconhecida e apertada.

eram só duas bocas numa cidade que se falavam entre si. e os braços daquelas bocas enterravam-se na noite que se abria.

nada de especial. nem lindo. só o encontro de dois estrangeiros numa terra estranha. as entranhas abertas.

domingo, junho 25, 2006

Mundial

O mundial é uma coisa muito europeia...

quinta-feira, março 02, 2006

You Are Fozzie Bear

"Wocka! Wocka!"
You're the life of the party, and you love making people crack up.
If only your routine didn't always bomb!
You may find more groans than laughs, but always keep the jokes coming.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

De onde vens?

... que não te vejo. não sei o que andas a fazer em mim, entrando sem previsões. e hoje não me apetecia nada estar triste. não me apetecia ter que chorar. sempre há pessoas perto, corpos à minha volta e a minha humilhação liquidificada só serve de purgante para eles...

de onde chegaste? do fim-de-semana inseguro? do trabalho tão interminável que passará a data de validade? do meu olhar para tudo com os olhos escuros? do meu desemprego?

"tu eres la llave de vuelta y media, la una la que abre, la media la que cierra" (José Mercé)

terça-feira, fevereiro 07, 2006

O beijo (curta-metragem 1)

... e foi quando eu voltei a cabeça e voltei a ver tudo. tudo outra vez. devagar. ele agarrava-a contra a parede e eu vi tudo. beijou-a num beijo mutuamente consentido. sim, vi. e doeu uma dor pequenina e alcoolizada, embrulhada em analgésico etílico ... e depois acabou. não era possível continuar a brincar porque sentiamos que era um jogo masoquista.

... pergunto-me há quanto tempo ela estará apaixonada por ele. como me suportará. como conseguirá fingir que suporta o que digo e faço. pergunto-me se não seria capaz de lhe arrancar todos os cabelos...

... e volto a ver tudo. outra vez. ele agarra-a contra a parede. outra vez. na minha cabeça todos os dias vejo aquele beijo consentido... que eu terei provocado, pensando que o analgésico funcionaria para lá da consciência, do sentimento, da visão material, dos factos... depois acabou.

... pergunto-me se vale a pena brincar assim... às escuras... dentro de mim sem saber durante quanto tempo vai doer. pergunto-me se não era capaz de sair pela rua a distribuir beijos... pergunto-me se vai doer menos quando deixar de o amar... e forem ambos pó.

volto a ver tudo e fecho os olhos.... mas estou sóbria. ainda dói. e ele ainda a beija contra a parede.