quarta-feira, outubro 25, 2006

papel de parede (curta-metragem 7)

Dormíamos lado a lado, sem fechar os olhos, atentos aos movimentos de tristeza que se tinha colado aos rostos como caramelo, amargo e negro. Nos rostos não havia já restos de nada. Nem das rosas de outrora, nem das palavras mais recentes. Tudo se tinha esvaído sem sentidos, por entre a escuridão que manchava a brancura do quarto.

- O que estás a fazer? – perguntou-me a rasgar os pensamentos.

- Tento redescobrir a sensibilidade desta parede, afeiçoar-me a ela – arrimei-lhe de olhos ainda fechados, enquanto a ponta dos meus dedos continuava a tentar compreender o braille daquele papel.

- Uma parede?

Neste momento, não havia volta. Ou explicava porque preferia o tacto da parede a um corpo horizontalizado ou caíamos no silêncio de quem já se disse tudo. E narrar é humano.

- É esta parede que me lembra que esta(rá)s para além dela. Esta parede é a marca da tua ausência. E é uma presença tão visual como tu não estares. E tão áspera como o silêncio em que eu fico... degredada neste espaço que, sem ti, se tornou mais pequeno. Claustrofóbico.

O silêncio voltou e tudo tinha acabado.

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