terça-feira, outubro 31, 2006

O acaso mora ao lado

O Feliciano tem um cão. Uma mulher. Um filho. Uma amante. Um quintal.

Um dia, o filho morre. No dia seguinte, morre a mulher. A seguir a amante. No quintal tudo murcha e se descolora. O cão uiva pela última vez quando Feliciano se desfelicita e falece.

O resto são coincidências e não interessam.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Bad mood

Advertising Space

(...) Waiting for God to stop this
And up to your neck in darkness
Everyone around you was corrupted
Saying somethin'

(...) They poisoned you with compromise
At what point did you realise
Everybody loves your lies
But you ahahh

(...) And
No one learned from your mistake

(Robbie Williams, Album: Intensive care)

quarta-feira, outubro 25, 2006

papel de parede (curta-metragem 7)

Dormíamos lado a lado, sem fechar os olhos, atentos aos movimentos de tristeza que se tinha colado aos rostos como caramelo, amargo e negro. Nos rostos não havia já restos de nada. Nem das rosas de outrora, nem das palavras mais recentes. Tudo se tinha esvaído sem sentidos, por entre a escuridão que manchava a brancura do quarto.

- O que estás a fazer? – perguntou-me a rasgar os pensamentos.

- Tento redescobrir a sensibilidade desta parede, afeiçoar-me a ela – arrimei-lhe de olhos ainda fechados, enquanto a ponta dos meus dedos continuava a tentar compreender o braille daquele papel.

- Uma parede?

Neste momento, não havia volta. Ou explicava porque preferia o tacto da parede a um corpo horizontalizado ou caíamos no silêncio de quem já se disse tudo. E narrar é humano.

- É esta parede que me lembra que esta(rá)s para além dela. Esta parede é a marca da tua ausência. E é uma presença tão visual como tu não estares. E tão áspera como o silêncio em que eu fico... degredada neste espaço que, sem ti, se tornou mais pequeno. Claustrofóbico.

O silêncio voltou e tudo tinha acabado.

sexta-feira, outubro 20, 2006

alcatrão

fiquei presa ao chão que pisas
alcatrão quente nas estradas
que arrastas aos poucos quando passas

segunda-feira, outubro 16, 2006

Pretérito Imperfeito (curta-metragem 6)

(é favor de reler a curta-metragem 5)

Não pensei que pudesses esquecer-me de imediato. Irradicar-me sem avisar da tua vida. Acho que, apesar desta dor incómoda e pesada, estás a ser sensato: sabes que há mais alguém na minha vida, sabes que volta e meia estou ausente e que matar saudades é sinal de fraqueza… Deixaste-me tão fraca! Porque me deixaste?

Podias ao menos continuar a dar-me pequenos sinais de vida, a ser simpático mesmo sendo impessoal, a ser uma companhia para o sexcafé semanal. Fui o teu troféu? A taça das taças, a UEFA, o campeonato nacional? Já percebi que não vale a pena continuar a tentar comunicar contigo e que o teu silêncio é uma opção definitiva, como amputar um membro doente. Não respondes a nenhuma das minhas perguntas (mesmo as tuas mensagens lacónicas e imprecisas eram valiosas!) e abandonas-me à incerteza de nunca saber quando te vou encontrar. À certeza de nunca mais te encontrar.


Mas tu estás dentro da minha cabeça! Tu estiveste dentro do meu corpo! Eu só quero que saias
da minha cabeça! Só quero que reentres em mim…

Estarei a entrar na demência da idade? Perdoa-me o ser tão mais velha do que tu… Perdoa-me o ser magra. O ser assim tão pouco diante da imensidão que és tu diante de mim…


Pensarás que sou uma idiota louca que se perdeu por um rapazinho? Achas que foste uma aventura extra-escolar? Desejei-te desde aquele bar em que a música e o álcool me fizeram aproximar de ti. Desejei-te mais quando me convidaste para aquele café que terminou no teu carro. Eu precisava de emoções e de sentir que estava viva e tu deste-me tudo isso. Devo agradecer-te ou amaldiçoar-te porque me deixaste à deriva, agarrada a esta jangada podre? A esta jangada de lembranças velhas que me deixam flutuar sem me levar para terra, sem me deixar morrer, sem me matar…


sexta-feira, outubro 13, 2006

preocupações

"Why of course the people don't want war ... But after all it is the leaders of the country who determine the policy, and it is always a simple matter to drag the people along, whether it is a democracy, or a fascist dictatorship, or a parliament, or a communist dictatorship ... Voice or no voice, the people can always be brought to the bidding of the leaders. That is easy. All you have to do is to tell them they are being attacked, and denounce the pacifists for lack of patriotism and exposing the country to danger." — Hermann Goering, Nazi leader, at the Nuremberg Trials after World War II

Omissão

"y aunque me hagas feliz, no te lo digo" (Chavela Vargas)

terça-feira, outubro 10, 2006

paisagem aquática

sentei-me
espesso corpo de lodo
verde
à tua espera
num banco de areia
no fundo do mar

sábado, outubro 07, 2006

As teses que ninguém (ainda) escreveu

Em maré de tese e até de alguma caridade, decidi, de livre e espontânea vontade, sem qualquer interesse financeiro, deixar algumas sugestões de tese, em diferentes domínios científicos, aplicados a Portugal:

- em Sociologia - "Análise comparativa do número de idiotas chapados por metro quadrado, em diversas regiões: as variáveis interior/litoral";
- em Economia - "Influência dos anos bissextos no crescimento do PIB anual comunitário: Portugal em destaque";
- em Política - "Estudo da percentagem de cretinos que acedem a lugares de (algum) prestígio e acabam por desempenhar satisfatoriamente as suas funções: o caso da cunha em política";
- em Linguística - "Impacte de Floribela e Morangos com Açúcar no desenvolvimento linguístico da população: o caso de "és tão dã-ã" e "tás-ta passar ou quê?"
- em Musicologia - "Revivalismo sebastiânico ou o neo-saudosismo na moderna música portuguesa: o fenómenos José Cid".

Alguns destes títulos podem exceder o número de caracteres, outros são quase esotéricos, todos são obviamente tendenciosos e alguns apontam resultados. Alguns quase que me parecem possíveis de realizar, dado o excesso de matéria que poderia servir como objecto de estudo.

Qualquer pedido de sugestão para futuros estudos pode ser dirigido para "Inominável, Ponto de Saturação, Blogger."

sexta-feira, outubro 06, 2006

Pretérito Perfeito (curta-metragem 5)

Podia ter dito que apenas te queria foder… Não ter uma dessas relações em que se brinca aos namorados até que alguém sofra. Para brincar já tens um! Pensei que me conhecesses o suficiente para adivinhares que há assuntos e interesses e motivações mais preementes na minha vida: a pesca, os amigos, outras mulheres, mais mulheres… No fundo, nunca quis que quisesses mais de mim, mais do que eu quis de ti, mais do que ambos quisemos um do outro, mais do que foi. FOI. Pretérito perfeito. Acabado. Que já não se prolonga no presente.

Para quê continuares a insistir e a tentar perceber o que aconteceu? Não te leva a nada! É inconveniente! Tu foste só aquele corpo que abracei e beijei e mordi, aquele corpo em que entrei, aquele corpo que me fez deitar e acordar satisfeito, talvez feliz, aquele corpo que gozei e abandonei. Porquês? Estavamos juntos, eu não tinha companhia, tu mostraste disponibilidade, ambos tínhamos bebido Bacardis e Smirnoffs muito para além da sobriedade e sabíamos, com essa inconsciência, que tudo teria que acontecer… Vês? É tão fácil perceber tudo… Em que parte desta história é que te perdeste? Naquela em que os sentimentos ficam de parte? Naquela em que perdeste a inocência da maturidade?

Não te sintas traída porque foste tu quem traiu primeiro. Não te sintas abandonada ou rejeitada porque não é assim que devemos terminar este jogo: ninguém deve perder, não sintas que perdeste. Se calhar, voltaremos a tomar um cafezito (o nosso sexcafé), com menos açúcar, e até podes falar do que estás a sentir, mas não me venhas com lamechices de quem crê que foi usada e enganada. Sempre soubeste tudo. Que culpa tenho se os corpos não resistiram à passagem de um pelo outro? Nunca te tinha acontecido? (Não mintas!)

Se não te telefono, nem envio toques ou SMS é porque não quero que te iludas com uma relação qualquer. Não quero ficar na tua memória como alguém que prolongou as expectativas e te deixou pendurada, sempre à beira do sufoco. Acredita que só quero ser uma lembrança boa na tua vida: "aquele rapazito com quem tive uma pequena aventura boa"… Tu serás sempre a "ex-professora dos meus colegas" que conheci num bar e dançou para mim…

E desculpe se a trato por "tu"…