segunda-feira, outubro 16, 2006

Pretérito Imperfeito (curta-metragem 6)

(é favor de reler a curta-metragem 5)

Não pensei que pudesses esquecer-me de imediato. Irradicar-me sem avisar da tua vida. Acho que, apesar desta dor incómoda e pesada, estás a ser sensato: sabes que há mais alguém na minha vida, sabes que volta e meia estou ausente e que matar saudades é sinal de fraqueza… Deixaste-me tão fraca! Porque me deixaste?

Podias ao menos continuar a dar-me pequenos sinais de vida, a ser simpático mesmo sendo impessoal, a ser uma companhia para o sexcafé semanal. Fui o teu troféu? A taça das taças, a UEFA, o campeonato nacional? Já percebi que não vale a pena continuar a tentar comunicar contigo e que o teu silêncio é uma opção definitiva, como amputar um membro doente. Não respondes a nenhuma das minhas perguntas (mesmo as tuas mensagens lacónicas e imprecisas eram valiosas!) e abandonas-me à incerteza de nunca saber quando te vou encontrar. À certeza de nunca mais te encontrar.


Mas tu estás dentro da minha cabeça! Tu estiveste dentro do meu corpo! Eu só quero que saias
da minha cabeça! Só quero que reentres em mim…

Estarei a entrar na demência da idade? Perdoa-me o ser tão mais velha do que tu… Perdoa-me o ser magra. O ser assim tão pouco diante da imensidão que és tu diante de mim…


Pensarás que sou uma idiota louca que se perdeu por um rapazinho? Achas que foste uma aventura extra-escolar? Desejei-te desde aquele bar em que a música e o álcool me fizeram aproximar de ti. Desejei-te mais quando me convidaste para aquele café que terminou no teu carro. Eu precisava de emoções e de sentir que estava viva e tu deste-me tudo isso. Devo agradecer-te ou amaldiçoar-te porque me deixaste à deriva, agarrada a esta jangada podre? A esta jangada de lembranças velhas que me deixam flutuar sem me levar para terra, sem me deixar morrer, sem me matar…


10 comentários:

Ida disse...

Em Portugal, ouvi dizer: "não mata, mas mói". Pois é...

Tás mesmo boa para fazer roteiros de cinema, mulher. Diálogos em filmes de Tavernier, Téchiné, Chabrol... sei lá... Tou a falar a sério!

inominável disse...

Antes desses do que doutros ;)

Lauro António disse...

continuo a gostar muito do que escreves. cinema? é uma ideia. quando me mandas um texto a sério, ou vários, para eu me deliciar? gostava de ler algo que tenhas para publicar... até te fazia um prefácio. lol beijos LA

Paulo disse...

São, de facto, palavras sentidas, estados de alma. Ainda pensei em não deixar qualquer comentário neste teu espaço...afinal não pretendo perturbar ainda mais essa solidão. Agora fica em mim o desassossego de ter lido o que li pois já atravessei um deserto com a mesma dimensão e que agora recordo com a "alma trilhada" .
Beijos
.Paulo

CN disse...

se é um guião, parece-me bom. se é uma recordação, esquece-te da angústia. fica só com o que é bom, como se cada memória fosse um pedacinho, um tijolo, mais outro, uma parede protectora que cresce a cada lembrança de momentos felizes. se fores capaz de a construir, viverás melhor contigo própria.

inominável disse...

Ficamos assim, então: vamos pensar neste post como um género híbrido, entre o memorístico e o cinematográfico... com um peso muito maior para o segundo...

E obrigada a todas estas visitas fantásticas...

mfc disse...

Gostei dos textos em registos diferentes... opostos mesmo.
Os "takes" estão com um enquadramento perfeito.

Anónimo disse...

parece que vale a pena continuar a espreitar-te...

inominável disse...

"O nosso amor a gente inventa
para se distrair...
E quando acaba a gente pensa
que ele nunca existiu" (Cazuza)

Anónimo disse...

Simplesmente espectacular!!!

Estou a adorar acompanhar esta curta-metragem... Da melhor literatura que tenho lido nos últimos tempos!!!

Quando sai o próximo capítulo??? Fico ansiosamente à espera!