domingo, dezembro 31, 2006

Sem marcha atrás ou de como olhar o tempo de frente

porque é o último dia do ano e não me vale a pena fazer balanços que me levem para o momento antes ou para a terra do nunca, longe e inalcançável como é todo o tempo (um pouco como a pasta dos dentes que não entra nas embalagens de onde saiu)...

porque o tempo gasto em balanços é deprimente e jocoso (no fundo só se vê e se encontra o que se quer)...

porque prefiro projectos em vez de qualquer balancete em que coloque em cheque os créditos e os débitos de um ano já moribundo (nem se pode defender das minhas acusações)...

... deixo só as palavras de uma bela canção:

O tempo que a gente perde pela vida a correr
O tempo que a gente sonha que é chegar e vencer
O tempo faz de nós um copo p’ra beber em paz
O tempo é um momento para nunca mais

O tempo mesmo agora fez a terra girar
O tempo sem demora traz as ondas do mar
O tempo que se inventa quando nunca se é capaz
O tempo é um carro novo sem a marcha-atrás

Voei p’ra te dizer
Sonhei p’ra te esquecer
Eu sei não vais parar para eu crescer
Eu sei esperei demais


Musica: Donna Maria
Letra: Miguel A. Majer

quarta-feira, dezembro 20, 2006

O Livro dos Bons Princípios (16)

1990. A vida decorre sem sobressaltos num Portugal que se acostumou a aplanar tudo, todos os buracos, com o betão e o alcatrão vindos da Europa, essa abençoada união robinwoodesca que partilha com os pobres as sobras dos ricos. Por esta altura, já só saem caravelas e naus das cabeças das pessoas, ainda acostumadas a sonhar com as alturas, mas obrigadas a aceitar que o país não cresceu, que o abecedário é conhecido apenas de alguns e que em outros lugares da mesma Europa, voam concordes, ganham-se prémios nobel e avança-se para o futuro, tentando esquecer que a liberdade é uma arma que se utiliza e desenvolve em tempo de guerra. Enquanto que algumas cabecinhas continuam a sonhar com um Salazar sebastiânico, outras começam a disfrutar das novas estradas e pontes e vias férreas, agradecendo por haver quem dê cavaco à ironicamente pequena distância entre o interior e o litoral, entre o norte e o sul. O que ainda neste tempo não se sabia é que outras pontes não se constroem com cimento e trabalho mal pago.

Despois deste prolegómeno prospectivo, penso que se pode agora começar a história de Amandina. Nascida e sempre vivida em Portugal, numa aldeia próxima do litoral aveirense. Vista como promissora, excepto por ela mesma. Criada para ser católica apostólica romana, preparada para a vida e para o casamento com que nunca sonhou, com o português dos sonhos que nunca encontraria. Habituada a ser a melhor por falta de concorrência. Farta de viver numa casa onde todas as superstições maternas enchiam o ar e os defumadouros constantes eram mais importantes que as discussões sobre lógica e realidade. Onde só as supostas vozes do além traziam verdades, confiança e curas.

Outros princípios à espera de um final em Divas & Contrabaixos e em O Afinador de Sinos.
Todos os bons princípios aqui...

domingo, dezembro 17, 2006

die Weinachten

dedicado à Alex e ao alemão da sua infância

Drei kleine Kinder mussten das Weinachtsfest retten, weil der böse Krampus der harmlosen Weihnachtsmann entführen wollte. Deshalb haben Sie einen Termin mit dem Christkind gemacht: zusammen haben Sie den schwierigen Plan gemacht - den alten und dichen Weihnachtsmann in dem kleinen Christkindbett zu verstecken.

Dann haben Sie dem
Weihnachtsmann die Haare geschnitten und neue Kleidung gekauft: jetzt trägt er einen neuen schwarzen Anzug. Er hat auch keine Brille mehr, trotzdem kann er noch die Briefe der Kinder und die schwere Bibel zu lesen. Obwohl er schon alt is, liebt er es, viele Bücher zu lesen. Aber nicht an diesem Weinachtsfest: er muss im Christkindbett bleiben, dashalb müssen das Christkind und die drei anderen Kinder die SuBigkeiten und die Spiele schenken.

Ein anderes Problem? Der
Weihnachtsmann hat Angst vor Tieren: er muss brav sein, sonst bekommt er keine Geshenke. Was für einen gefährlichen Beruf hat er??!!!!

(OK, isto foi o TPC de alemão da semana passada!!)

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O Livro dos Bons Princípios (14)

tinha acabado de chegar à cidade. não sabia a que cidade, assim como já não sabia quem era. também não fazia falta saber nada disto porque não conhecia a língua, não conhecia ninguém, logo não teria que dar qualquer tipo de resposta acerca destes dois detalhes de si. hospedara-se num hotel barato, onde abundam baratas e outros seres vivos, às vezes pouco mais que inanimados e às vezes pouco mais que parecidos com pessoas. todos os dias saía pela cidade à procura de um apartamento para alugar - sempre sairia mais barato - procurando exclusivamente tipologias T1 de prédios antigos. procurava neles também o que sabia que neles haveria de si mesmo: uma mulher sozinha. uma mulher casada não escolheria um T1. mulheres com filhos talvez andassem à procura de T3 ou T4. procurava alguém tão solitário como ele próprio. se procurasse alguém para partilhar um apartamento colocaria o seguinte anúncio:

"homem só procura outra solidão para partilhar estuque de paredes e estilhaços de dias. gosta de velharias, não de antiguidades. preferência a mulheres ou a o que delas restar."

e é verdade que colocou, logo depois de alugar uma coisa mísera. e é verdade que ela apareceu, antecedida e sucedida de muitas outras mulheres. não queriam saber do apartamento. queriam saber de si. mas ela foi a única que apareceu a perguntar "posso ver a casa?"...


Outros pontos de venda ao público:
Divas & Contrabaixos
O afinador de sinos

segunda-feira, dezembro 11, 2006

um post mundano... mesmo

pois... não vou apregoar a saga da canção francesa, da Edith ou do Brel... nem falar da filarmonia ou da filosofia do fado. nem do flamengo da minha vida, qual Jose Mercé, qual Paco de Lucia.

já me perguntaram como é que posso gostar deles... e, se calhar, não gosto deles, gosto d'HIM... sei lá porquê... o vídeo ajudou-me a encontrar algumas justificações... as letras não são particularmente inteligentes... e daí? funcionam como óptimas bandas sonoras do que não digo... lá no fundo, e não é surpresa para ninguém, gosto de descansar os olhos de vez em quando... e a música aos berros e apagar a luz e ser noite e abrir outra cerveja... e isso é mundano... e o gosto pode ser duvidoso... mas é sincero e prefiro apregoar uma sinceridade do que a maior bacorada para parecer intelectual... e isso é de muito mau gosto... mas ensinaram-me a não mentir... voilà! a normalidade é uma coisa estranha...

"There are things you should know
And the distance between us seems to grow
But you're holding on strong
And oh how hard it iss to let go
I'm so hard to let go

I'm waiting for your call
and I'm ready to take your six six six in my heart
I'm longing for your touch
and I welcome your sweet six six six in my heart" (Your sweet 666)

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O Livro dos Bons Princípios (11)

Era daquelas pessoas que não sabiam contar histórias. Não havia nada a fazer! Desde miúdo que transformava todas as histórias que lhe contavam antes de dormir noutras histórias. E acrescentava sempre aquele ponto de quem conta um conto... Enchia todas as histórias de nuances que os autores nunca se lembrariam. Por exemplo, de monstros muito mais feios do que eram naquelas realidades fictícias. E as princesas nunca eram tão bonitas como se dizia e usavam roupa interior com elásticos relaxados, daqueles que fazem som de esbijamento apodrecido. Os princípes deviam ser afinal, uns mariquinhas do pior que só eram capazes de beijar e montar miúdas a dormir, qual galantes, qual carapuça...

Enquanto crescia, mantinha a convicção de que aquelas patranhas eram para pataratas e outros crentes. Quando adolescente, chegou mesmo a pensar que nunca se interessaria por aquelas desenxabidas, armadas em princesas, que ficavam deitadas sem se mexer. Frígidas. A vida foi apenas sedimentando estas convicções, transformando-as em modo de vida, à revelia de pequenos incidentes que lhe mostravam que "a cavalo dado, não se olha o dente", sobretudo quando se fala de éguas e de embriaguez e da infeliz conjugação das duas no mesmo quarto...

Era, como começámos, um inventor de histórias compulsivo. Se fosse historiador, seria inventor da História e não um desses arqueólogos de acontecimentos. E era inventor das suas próprias histórias e das que se inventava até passarem a ser verdade. Quando lhe perguntavam a profissão, ia alternando entre adjunto de chefe de estado (coisa fácil, já que, como ninguém sabe o que fazem, é fácil passar por um) e cozinheiro no "Tás-se Bem", restaurante para gente de bem (bem-vestir, bem-pagar, bem-viver). Às vezes descaía-se e lá confessava que era mentiroso.

E foi por isso que, naquela noite, a mesma em que o reencontrei, naquele lugar em que me contratou para transacção de carnes, me respondeu com um "não quero nada", quando lhe perguntei o que queria da vida. Eu era só uma pequena, num bordel tão escuro quanto vermelho, que lhe tentava vender o corpo por bom preço. Contou-me uns meses mais tarde, quando já eramos clientes assíduos um do outro, que nunca tinha gostado de putas que se vinham com perguntas existenciais. Preferia mentir. Eu acreditei, mas sabia que me estava a mentir...

Conhecia-o desde a niñez, quando ele me contava as suas versões da Bela Adormecida e da Branca de Neve, aquela meretriz dos contos para crianças, que inspirou muitas das minhas histórias do "Hidde and ride"...

Mais e melhores em...
Divas & Contrabaixos
O Afinador de Sinos

Toda a colecção em fascículos separados, encadernados e embonitados em O Livro dos Bons Princípios

sábado, dezembro 02, 2006

relatório de investigação

a claridade pica na retina
e nas pálpebras trancadas
incompatível com água salgada

sinestesia alérgica

assim
já não me espanta que haja luz em ondas
que passam sem me molhar