Não sou capaz de te amar. Não sou capaz de voltar a ver os teus vinte anos nem de imaginar o teu corpo antes do tempo que passou por ele. Pesadamente… Vejo agora um homem que não amo. Não respeito. Tudo continua a arder à nossa volta e nós secámos até nos transformarmos num riacho murcho. Seco. Árido e deserto onde nada vai crescer… nem nascer…
O que devo fazer ao desejo póstumo que sinto de outros corpos, de outros espaços, de outras emoções? Que farei com esta vontade de voar? Para onde me lançarei com estas novas asas renascidas, amputadas quando acreditei que te amava, que te amaria? Foi esse amor que me amarrou a ti e a esta casa e a este lugar que me deixou tão amarga e destemperada, tão desesperada pelos anos perdidos, tão angustiada pelos corpos que já não amarei porque a idade também passou por mim…
Está tudo perdido. Secámos até à infertilidade. Ou foi a minha infertilidade que nos secou? Sem filhos e sem amor, que faremos com esta vida que ninguém quer?
Estou perplexa diante deste pedaço de papel onde te anuncio que vou embora e desta vez para sempre. Não voltarei só porque estarás à minha espera. Desta vez, não! Sei que já não tenho idade para emoções juvenis e que talvez não encontre outro homem, alguém que me renove a alma, mas prefiro definhar sozinha a ter que acompanhar o nosso fim. Com raiva. Com pena de ti porque ainda me amas à tua maneira. Com medo de voltar a estar só.
Desta vez, escrevo-te um guardanapo definitivo.
1 comentário:
Obrigada pelo comentário e deixo só um a breve resposta: não é a memória de uma experiência o que escrevi aqui. É uma tentativa de outramento, de bisbilhotar nas amarguras do outros...
Este texto faz parte de uma colecção de "curtas-metragens", umas coisas em forma de "contos" a que me dedico...
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