terça-feira, fevereiro 22, 2011

a minha aldeia

aquele Fermentelos que sempre pensei detestar surgiu belo na memória, numa redenção que só acontece quando a infância se vê ao longe, num baloiço. as hortas, os caminhos de terra e pó. os caminhos de buracos de lama no inverno, as calças arregaçadas até aos joelhos para não se chegar à missa de domingo já manchada de vergonha e de pobreza... na igreja, as filas de crianças alinhadas à frente . o caminho longo e escuro até à leitaria. as silvas a vergar de amoras escuras. as silvas presas às baínhas das saias. as silvas presas à carne. arrancar os espetos da carne. e mais tarde, o namoro de beira de estrada, inclinados em motas de fingir, na falsa coincidência de todos os encontros. o avô a podar as videiras com a sua mão parca de dedos e a abrir carreiros entre o quintal, como os engenheiros auto-estradas. e o avô a morrer e eu sem coragem de o visitar convencida de que assim adiaria a morte. eu só queria atrasar a morte. a infância das férias de verão intermináveis no meu tédio desesperado e o trabalho de campos. a Laica presa com uma corda ao carroço cheio de erva ainda úmida. a foice a cravar as mãos miúdas de calos. e a cadela feliz e solta. e eu era também feliz e solta e não sabia.

7 comentários:

Anónimo disse...

muito bom!bjs de stras.fil.

Anónimo disse...

quero ir dormir para o teu sofá.... aqui há demasiado trabalho!!!

ah, e férias por cá?????

(SMP)

Anónimo disse...

Tenho de ir, a serio! Devo defender a tese no final do mês, depois fico mais leve! Forca com o trabalho, já sabes q o meu sofá esta as ordens! Beijinhos grandes para os três. Fil. By The way, escreves bem! ;)

Terra disse...

Que bom reapareceres!
Gostei muito do que li.
Regressei às férias da minha infância, na 'Metrópole', na terra dos meus avós, com os meus avós e com a família dos meus avós, afinal também minha família sem eu conhecer. E também havia silvas e amoras de vários tons nas silvas e amoras em árvores (para meu espanto a primeira vez que vi). Videiras... latada... outras palavras novas para mim e o vinho a fermentar nos pés daqueles homens de nariz vermelho a cantar na adega também cheia de azeite, azeitonas, amêndoas afinal (e ainda) com a casca verde (e que eu só conhecia nos doces, já branquinhas), batatas e garrafas, entre trastes que eram para nós mistérios saídos dos livros que nos inspiravam. Havia os incêndios, as sirenes e os bombeiros; o café dos bombeiros, a igreja logo ao lado e as procissões que me aterravam, mas às quais era obrigada só porque o padroeiro S. Sebastião tinha sido oferecido pelo meu avô.
Havia a carroça para ir à quinta e o 'feitor', a mulher do feitor e a filha de longos cabelos negros, a Zélia, com quem brincávamos.
Nas férias todos éramos assim, inocente e felizmente soltos!
Bjs bwé!

AnaMar (pseudónimo) disse...

Um registo de memória que fográfica. que dói pela distãncia. éramos felizes, sabíamos, mas não ligávamos, porque era natural sermos, assim, felizes.
Os aromas perseguem-nos e o que acba por doer mais são as saudades do que não teremos.

Adorei descobrir este espaço. (venho através da Antemanhã ;-))

joão marinheiro disse...

É a memória a pregar rasteiras...
abraço com mar de regresso

Menina Marota disse...

"...
e eu era também feliz e solta e não sabia."

Um regresso à infância que me encheu os olhos de lágrimas... e a minha infância lá longe, mas ainda ouço a voz do meu Avô a "ralhar"... "ah... Marota... já foste de novo às amoras..." e eu ria-me com a prova do delito na boca, nas mãos e no vestido...

Grata por este momento.