terça-feira, fevereiro 22, 2011

a minha aldeia

aquele Fermentelos que sempre pensei detestar surgiu belo na memória, numa redenção que só acontece quando a infância se vê ao longe, num baloiço. as hortas, os caminhos de terra e pó. os caminhos de buracos de lama no inverno, as calças arregaçadas até aos joelhos para não se chegar à missa de domingo já manchada de vergonha e de pobreza... na igreja, as filas de crianças alinhadas à frente . o caminho longo e escuro até à leitaria. as silvas a vergar de amoras escuras. as silvas presas às baínhas das saias. as silvas presas à carne. arrancar os espetos da carne. e mais tarde, o namoro de beira de estrada, inclinados em motas de fingir, na falsa coincidência de todos os encontros. o avô a podar as videiras com a sua mão parca de dedos e a abrir carreiros entre o quintal, como os engenheiros auto-estradas. e o avô a morrer e eu sem coragem de o visitar convencida de que assim adiaria a morte. eu só queria atrasar a morte. a infância das férias de verão intermináveis no meu tédio desesperado e o trabalho de campos. a Laica presa com uma corda ao carroço cheio de erva ainda úmida. a foice a cravar as mãos miúdas de calos. e a cadela feliz e solta. e eu era também feliz e solta e não sabia.